O meu jardim não é meu

28 janeiro 2015


















































Passo todos os dias por este jardim, não é meu mas pertence-me. 
Umas vezes de manhã cedo tenho-o só para mim, passo apressada por causa do frio, mas sabe bem conseguir ver céu através das árvores, não tarda nada só será uma mancha verde e tudo ficará ainda mais sombrio.
Às vezes atravesso-o à hora do almoço e há sempre uma velhota a alimentar as pombas com milho moído que espalha em montinhos à sua volta, chama por elas como se fossem gente, elas vêm e cobrem-na e a senhora olha para mim e ri-se. Olho para ela tão cheia de asas e parece-me capaz de voar. 
O melhor dia é o domingo, ao contrário da província em que o domingo é o dia em que todos saem para a rua, aqui a cidade está vazia e há um silêncio fora do normal, pelo menos de manhã.

Neste jardim vive um anjo, está sempre em cima das árvores, não consigo deixar de pensar no Varão Trepador do Calvino e imaginar qual a terrível asneira que cometeu que o leva a estar sempre por ali empoleirado a observar a senhora dos Pombos, as pessoas que apenas passam, os que passeiam os cães, os que fotografam o Camilo abraçado à Ana Plácido... a mim que todos os dias quando olho para ele me sinto menos sozinha.

Um jardim sem Japoneiras não é um verdadeiro jardim, muito menos se for português. Nesta altura as flores estão a cair e são mais no chão que na árvore, mas é bonito o tapete que fazem.
Houve alturas em que tive de escolher flores que tivessem um significado mais especial e as camélias foram as flores de muitos dos momentos mais especiais que vivi. Já sabia que quando casasse o meu ramo seria de camélias brancas e não sendo flores que se vendam nas Floristas teve de ser feito por encomenda. 
Na véspera a florista entrega-me o ramo, um pedido de desculpas pela pouca qualidade do mesmo, mas ainda assim acrescido de um preço exorbitante. É que tinham sido muito difíceis de encontrar no mercado (como se lhe tivesse pedido um fruto fora da época) e as únicas que tinha encontrado não estavam no melhor estado, mas eram as únicas! Disse-me o que se deseja ouvir e principalmente ver num dia como aqueles em que estamos tão tranquilos e à mais pequena coisa não tivessemos vontade de desistir de tudo. Faltavam poucas horas e eu tinha tudo menos ramo. Salvou-me o meu pai lembrar-se duma vizinha na aldeia que tinha uma Japoneira branca a florir naquela altura. Posso dizer que fui eu que fiz o meu ramo de noiva, sem técnicas nem coisa nenhuma, juntei umas quantas, atei-as com um fio e cobri-lhes o pé com um lenço de mão em renda antiga que tinha lá por casa.
Quando o casamento acabou estavam com aquela cor enferrujada que ganham por serem tão sensíveis ao toque e ao calor, mas quando entraram na igreja eram brancas, brancas como eu queria que fossem. O ramo era muito mais bonito que o da Florista. 
...

Nunca me tinha apercebido até agora, na flor camélia vive uma amélia. E na memória montinhos destas coincidências?, uns tão pequeninos e amarelos como os da senhora das pombas, outros enormes como os das folhas secas que o varredor amontoa.

5 comentários :

  1. tinha um comentário tão fixe e tão poético que se foi na autenticação de quem diz...
    (ooops, desapareceu...)
    Eu reconheço algo nessas fotos, sou daí, daqui... (merda, esta coisa da Memória é mesmo lixada, pá!) Esqueci-me das bonitas palavras que escrevi sobre ti naquele momento (tão efémero, infelizmente)

    beijo.

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  2. Gosto sempre tanto de ler o que escreves...

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    1. Obrigada Marta, gosto de saber que passas por aqui... *

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  3. Adoro esses jardins, minha filha gosta de brincar no parque infantil, entre os arbustos, etc. É a minha área preferida, paragem final do meu autocarro. E gosto muito, como a Marta, de ler o que escreves :)

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    1. Sim é um dos jardins mais bonitos do Porto! Também gosto de ver passar o Eléctrico, passa poucas vezes, não incomoda nada e é tão bonito... É um bom jardim! : )

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