As afinidades electivas

09 maio 2015





Hoje foi dia de ir a Braga, há dias certos para ir a Braga marcados com antecedência e sempre marcados por vésperas carregadas de ansiedade.
Com horas marcadas e o medo de perder o comboio chego sempre cedo demais à estação, depois ando por lá a vaguear... mas não muito. Parada em frente à tenda dos Doces Regionais, daqueles que também se vendem nas Feiras, perguntei ao vendedor se podia tirar uma fotografia, porque eram lindos assim brancos, cobertos de acúcar e todos alinhados. 
Ele riu-se: 
Claro que sim pode tirar as fotografias que quiser e ainda lhe digo mais vou dar-lhe um para provar.

Agradeci-lhe a simpatia, e afastei-me levando a boca e o coração mais doce. Não sou grande apreciadora destes bolos mas aquele soube-me pela vida. Melhor, soube-me a vida. À vida que eu gostaria que fosse a minha, com pessoas gentis e capazes de dar, coisas simples que nos fazem ganhar os dias. Este dia que já começara mal de véspera e que foi salvo por aquele gesto. 
...

No outro dia entrei na minha Florista preferida aqui nos Clérigos. Tentou-me um vaso de Brincos de Princesa, que para mim continuam a ser Lágrimas e que estava pendurado na porta. Tenho por costume regatear preços, acho que aprendi com o meu pai, nas muitas idas às feiras. A florista disse que não podia descer o preço, a margem já era pouca e não ganhava muito.  Apesar de lhe dizer que estava a ser mazinha, riu-se e citou o ditado que diz que as pessoas más vivem mais tempo. Não quero acreditar nesse ditado e pelo vistos ela também não.

Tinha recebido Violetas e eram imensas e de cores diferente. De repente lembrei-me que em adolescente tinha a mania que a marquise da casa da minha mãe havia de ser uma estufa e fazia de tudo para a tornar uma espécie de incubadora de plantas. E uma das coisas que mais gostava era de aproveitar as folhas das Violetas que partiam para as transformar em novas plantas. O processo é tão fantástico como simples e o acto de criar uma planta, desde o início, é algo comparável ao de gerar uma cria.
Partilhei esta memória com a Florista e ela respondeu-me enquanto me virava as costas: Desde que eu não veja pode levar as folhas que quiser, mas desde que eu não veja. 
E eu não a deixei ver as duas folhas que tirei, uma de cada vaso.

Quando a M era pequena muitas vezes colhi Brincos de Princesa para lhe enfeitar as orelhas, mas para mim, o vaso que vi pendurado na porta da loja e me levou a entrar e que comprei para trazer para nossa casa, continua a ser um vaso de Lágrimas.

A Florista, que conheci naquele dia, combinou comigo guardar todas as folhas de Violetas que se partissem por descuido e que todas as Quintas Feiras, de todas as semanas, poderia passar por lá.
Passaram duas semanas, tenho quatro folhas à janela à espera de germinarem.

Na mesma semana, uns dias antes, tinha tido uma outra conversa também com uma vendedora de flores, desta vez porque era 25 de Abril e eu procurava Cravos.

Dizem que me acontecem coisas estranhas, às vezes concordo.

Desde que vim para o Porto, muitas coisas mudaram na minha vida e dentro de mim. O que muda dentro de nós raramente é visível aos olhos que quem nos vê, mas há olhos e olhos e há pessoas e pessoas... 
Estes encontros casuais com estas pessoas, a forma como me fazem sentir bem tratada, acho que se deve apenas a um a razão, ao facto de olharem para mim com outros olhos, olhos de gente boa e conseguirem descobrir nos meus o mesmo sorriso.

...

Não gosto de todos os Dias. Gosto do Dia do Burro.

A imagem do meio é a minha homenagem.

1 comentário :

  1. Isto é muito do Porto (não digo exclusivamente, mas é muito destas bandas), a gentileza dos estranhos. Não naquele sentido londrino (sim, em Londres as pessoas podem ser muito gentis), mas dos sorrisos e do genuíno. Num tom menos poético, tive um tarde dificílima com a minha filha na quarta-feira, um birra fenomenal, e fui ajudada, com sorrisos, gente a carregá-la, a tentar acalmá-la, carregar o carrinho, etc, etc, por cerca de 10 pessoas. Uma das ocasiões em que me senti mais grata na vida, de estar aqui.
    Um abraço, bom fim-de-semana,´

    ResponderEliminar